Paulo Horn: portaria que proíbe sites de apostas a partir de 1º de outubro é inconstitucional
A Portaria 1.475, que proíbe sites que não aplicarem por licença na Secretaria de Prêmios e Apostas é inconstitucional, na opinião de Paulo Horn, presidente da Comissão de Jogos da OAB/RJ. Em parecer jurídico, ele afirma que “a medida viola o princípio da legalidade, hierarquia das normas e os limites do poder regulatório”. O advogado recomenda que o Ministério da Fazenda “reavalie sua posição e busque a modificação legislativa para garantir a conformidade com a Constituição”.
Como era de se esperar, o mercado de apostas esportivas e jogos online amanheceu nesta terça-feira (17) preocupado com a medida tomada pela Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, que proíbe o funcionamento de sites de apostas a partir de 1º de outubro sem autorização ou que não tenham solicitado o requerimento junto ao governo federal.
A Portaria 1.475 define que as bets só vão poder operar mediante prévia autorização a ser expedida pelo próprio órgão.
A partir de 1º de outubro, as empresas que não pediram autorização à Secretaria de Prêmios e Apostas serão classificadas como ilegais até que tenha o funcionamento liberado pela Fazenda. Os sites de apostas que operarem no Brasil sem autorização ficarão sujeitos às penalidades previstas em lei, que prevê multas de até R$ 2 bilhões por infração.
Quem solicitou a autorização, mas ainda não estava atuando, terá de aguardar para iniciar a operação em janeiro — isso caso consiga a liberação por parte do ministério e mediante o cumprimento de todos os requisitos.
Paulo Horn, presidente da Comissão de Jogos Esportivos, Lotéricos e Entretenimento da OAB/RJ, debruçou-se sobre a portaria e a aponta como inconstitucional ao antecipar o prazo de adequação das casas de apostas.
Segundo ele, “a medida viola o princípio da legalidade, a hierarquia das normas, a segurança jurídica e os limites do poder regulatório”.
O advogado recomenda que o Ministério da Fazenda “reavalie sua posição em relação à antecipação do prazo e busque a modificação legislativa necessária para garantir a conformidade com a Constituição, assegurando a estabilidade e a confiança nas normas que regulam o setor de apostas”.
Parecer jurídico
Análise da inconstitucionalidade da Portaria SPA/MF nº 1.475/2024 em relação à Lei nº 14.790/2023.I.
Introdução
Este parecer tem como objetivo analisar a inconstitucionalidade da Portaria SPA/MF nº 1.475, de 16 de setembro de 2024, que antecipa o prazo estabelecido pela Lei nº 14.790/2023 para a adequação das casas de apostas, fixando-o em 1º de outubro de 2024, ao invés de 31 de dezembro de 2024, conforme determinado pela legislação.
II. Análise jurídicaPrincípio da legalidade
O princípio da legalidade, consagrado no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, estabelece que "ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei". Este princípio é reforçado pelo artigo 37 da Constituição, que determina a legalidade como um dos pilares da administração pública.
A antecipação do prazo para a adequação das casas de apostas, estabelecida pela portaria em questão, contraria este princípio, pois modifica uma disposição legal sem a devida autorização legislativa.
O Supremo Tribunal Federal, em diversas decisões, reafirma a importância do princípio da legalidade. No RE 596.468/SC (Rel. Min. Ayres Britto, 14/05/2009), o STF ressaltou que “o princípio da legalidade é o corolário do Estado de Direito e da submissão da Administração Pública à lei, impedindo qualquer ato estatal que extrapole os limites legais”.
No mesmo sentido, na ADI 1.923/DF, (Rel. Min. Celso de Mello, 03/04/2003), o STF enfatizou que a legalidade administrativa significa que os agentes públicos só podem agir de acordo com a lei. Neste julgamento, ficou claro que "não se revela lícito ao Poder Público editar atos que transgridam os limites fixados pela legislação".
A Administração Pública está rigidamente vinculada à lei e o princípio da legalidade, formador de um dos pilares do Estado Democrático de Direito, impedindo que atos administrativos criem obrigações ou restrinjam direitos sem a devida previsão legal.
Estas decisões reforçam a ideia de que a Administração Pública não pode inovar ou restringir direitos e obrigações fora dos limites estabelecidos pela lei.
Hierarquia das normas
A Constituição, em seu artigo 59, estabelece a hierarquia das normas, colocando as leis ordinárias em um patamar superior em relação a atos administrativos e normas infralegais, como portarias.
A Lei nº 14.790/2023, ao estabelecer um prazo de adequação, confere segurança jurídica aos operadores do setor.
A Portaria SPA/MF nº 1.475, ao antecipar esse prazo, em que pese a justa preocupação, desrespeita essa hierarquia, resultando em flagrante inconstitucionalidade.
Conforme ensina José Afonso da Silva, "a hierarquia das normas é um princípio fundamental do ordenamento jurídico, que garante a prevalência da norma superior sobre a inferior" (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 2020).
O STF, em ADI 4.874 (Rel. Min. Gilmar Mendes. 27/09/2012), já se manifestou sobre a hierarquia normativa, declarando que "atos administrativos não podem alterar ou suprimir direitos garantidos por lei, sob pena de violação da ordem jurídica".
Segurança jurídica
A segurança jurídica é um princípio essencial que assegura a previsibilidade e a estabilidade nas relações sociais e econômicas.
A alteração de prazos por meio de uma portaria gera insegurança, pois os operadores do setor que se prepararam para cumprir o prazo legal estabelecido enfrentam um cenário de incerteza.
O STF já se manifestou no sentido de que "a segurança jurídica é condição necessária para a estabilidade das relações sociais" (STF, ADI 2.135, Rel. Min. Gilmar Mendes. 06/12/2006).Em decisão mais recente, no âmbito da ADI 6.793 (Rel. Min. Ricardo Lewandowski. 05/08/2020), o STF reafirmou que “mudanças abruptas e imprevisíveis nas regras aplicáveis a determinado setor comprometem a segurança jurídica, afetando negativamente a confiança dos cidadãos nas normas que regem suas atividades”.
Esta jurisprudência se aplica ao caso em tela, em que a antecipação do prazo por meio de portaria fere a estabilidade normativa.Limitações do Poder Regulatório
Embora o Ministério da Fazenda tenha a competência para regulamentar a atividade de apostas, esse poder é limitado pela legislação vigente.
A antecipação do prazo estabelecido pela Lei nº 14.790/2023 ultrapassa os limites do poder regulamentar, caracterizando uma usurpação das competências legislativas, que são exclusivas do Poder Legislativo.
Alexandre de Moraes ensina que “a função do regulador deve ser a de implementar e detalhar as normas, respeitando as diretrizes já estabelecidas por lei” (MORAES, Alexandre. Direito Administrativo. 2018). O STF, no julgamento da ADI 4.162 (Rel. Min. Marco Aurélio. 14/02/2019), declarou inconstitucional ato normativo que extrapolou o poder regulamentar, afirmando que "a regulamentação não pode inovar na ordem jurídica, sob pena de usurpação da função legislativa".
III. Conclusão
Diante do exposto, conclui-se que a Portaria SPA/MF nº 1.475, ao antecipar o prazo de adequação das casas de apostas, é inconstitucional.
A medida viola o princípio da legalidade, a hierarquia das normas, a segurança jurídica e os limites do poder regulatório.
Recomenda-se que o Ministério da Fazenda reavalie sua posição em relação à antecipação do prazo e busque a modificação legislativa necessária para garantir a conformidade com a Constituição, assegurando a estabilidade e a confiança nas normas que regulam o setor de apostas.
Paulo HornOAB/RJ 68.386Sócio fundador do Paiva & Horn Advogados Associados. Presidente da Comissão de Jogos Esportivos, Lotéricos e Entretenimento da OAB/RJ, Membro da Associação Brasileira de Direito Político e Eleitoral - ABRADEP e da Comissão de Direito Constitucional da OAB/RJ.. Exerceu os cargos de diretor administrativo e financeiro, assessor-chefe do Jurídico e vice-presidente da Loteria do Estado do Rio de Janeiro - Loterj. Mestre em Direito da Cidade pela UERJ.
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